Monday, April 23, 2007

09.

Gostaria que ela voltasse.

Quando ela está eu sofro muito,
mas também danço muito.
Sofro 50 e danço 150.
Fico a ganhar 100 de dança.
Por isso é que quero que ela volte.

As mulheres são bonitas, mas ela ainda é mais bonita
que as mulheres.
Tem pés de bailarina mesmo quando está sentada.
E é muito difícil ter-se pés de bailarina quando
se está sentada.
Quando ela dorme parece que todo o quarto dorme.
É como se a própria cama dormisse.
É como se os móveis e os lençóis dormissem.
As paredes dormem.
As portas dormem.
As janelas dormem. Tudo dorme.
Por isso é que eu gosto tanto dela.
Gosto de olhar as coisas quando elas dormem.

Quando ela adormece, adormece o mundo e aí eu aproveito
para viajar.
Gosto de viajar quando mundo dorme
Porque assim consigo ver as coisas a respirarem naturalmente.
Só se é natural quando se dorme.
Quem acorda, acorda os instintos de sobrevivência.
É melhor andar por cima da terra quando ela dorme,
do que quando ela quer sobreviver.

Quando a Natureza dorme podemos correr à vontade pois
será impossível tropeçarmos, será impossível sermos lentos
ou demasiado rápidos.
O nosso ritmo é o certo.
Tudo vive nos seu sítio e nós observamos, acordados,
as coisas do alto.

É por isso que eu gosto dela. Dessa mulher.
É por isso que eu gostaria que ela voltasse.
Ela adormece o mundo para eu passar
e só quando eu estou em total segurança é que ela acorda.
É estranho: ela protege-me quando dorme.
Protege-me quando dorme.

Gonçalo M. Tavares (via pesa-nervos)

Sunday, April 08, 2007

Damn good coffee!

Saturday, April 07, 2007

Exercícios ao Piano

O calor cola. A tarde arde e arqueja.
Ela arfa, sem querer, nas leves vestes
e num étude enérgico despeja
a impaciência por algo que está prestes

a acontecer: hoje, amanhã, quem sabe
agora mesmo, oculto, do seu lado;
da janela, onde um mundo inteiro cabe,
ela percebe o parque arrebicado.

Desiste, enfim, o olhar distante; cruza
as mãos; desejaria um livro; sente
o aroma dos jasmins, mas o recusa
num gesto brusco. Acha que a faz doente.

Rainer Maria Rilke (Trad. Augusto de Campos)

Thursday, April 05, 2007

Light breaks where no sun shines

Light breaks where no sun shines;
Where no sea runs, the waters of the heart
Push in their tides;
And, broken ghosts with glowworms in their heads,
The things of light
File through the flesh where no flesh decks the bones.

A candle in the thighs
Warms youth and seed and burns the seeds of age;
Where no seed stirs,
The fruit of man unwrinkles in the stars,
Bright as a fig;
Where no wax is, the candle shows its hairs.

Dawn breaks behind the eyes;
From poles of skull and toe the windy blood
Slides like a sea;
Nor fenced, nor staked, the gushers of the sky
Spout to the rod
Divining in a smile the oil of tears.

Night in the sockets rounds,
Like some pitch moon, the limit of the globes;
Day lights the bone;
Where no cold is, the skinning gales unpin
The winter's robes;
The film of spring is hanging from the lids.

Light breaks on secret lots,
On tips of thought where thoughts smell in the rain;
When logics die,
The secret of the soil grows through the eye,
And blood jumps in the sun;
Above the waste allotments the dawn halts.

Dylan Thomas