I
Em torno de uma mesa sem toalha
a discutir a difícil questão:
por que todo argumento sempre encalha
quando se tenta explicar a certeza
que inspira o que dispensa explicação.
Constrangimento geral nesta mesa.
Alguém pigarreia. Ninguém se atreve a
dizer palavra que pareça previa-
mente pensada pra causar surpresa.
Quem sabe a coisa não tem solução.
Não será este silêncio, talvez, a
resposta final? Mas algo atrapalha
o silêncio, impede a concentração
total. Talvez a falta de toalha.
II
Tão limitado, estar aqui e agora,
dentro de si, sem poder ir embora,
dentro de um espaço mínimo que mal
se consegue explorar, esse minúsculo
império sem território, Macau
sempre à mercê do latejar de um músculo.
Ame-o ou deixe-o? Sim: porém amar
por falta de opção (a outra é o asco).
Que além das suas bordas há um mar
infenso a toda nau exploratória,
imune mesmo ao mais ousado Vasco.
Porque nenhum descobridor na história
(e algum tentou?) jamais se desprendeu
do cais úmido e ínfimo do eu.
III
As if you had the world or time to try it,
the nerves, the will -- what else? -- the peace and quiet.
No; all you have is an odd sort of urge
that gets you going with no proper aim
in mind. Maybe a vague desire to merge
with something that you couldn´t even name
if someone asked you what it was, in fact.
And yet you make a move. The rules of the game
are far from clear. No matter: you must act
because you must. Because you don´t know why
you must. Because you sense the cards are stacked
against you: yes, that´s just what makes you try.
There shouldn´t be anything facile about it.
Or else you could certainly do without it.
IV
Sentada gloriosa à mão direita
do nada, impondo a ordem a um pedaço
de um mundo que a ignora por completo,
certa de ter encontrado a perfeita
combinação de tempo com espaço
que possibilita o modo correto
de usufruir o quinhão de existência
o qual (segundo garante a ciência)
tem o direito de abocanhar,
repimpa-se, orgulhosa, em si mesma
como se numa esplêndida mansarda,
aconchegante e íntima -- um lar
tão próprio a ela quanto é própria à lesma
a concha exata. E fecha a porta. E aguarda.
V
Surprised by what? Not necessarily
by what a thing of beauty´s supposed to be
forever -- Götterfunken kind of stuff.
No way. Lightning like this strikes (if at all)
but once, and only when you´re young enough,
when you still have the spark, the wherewithal.
And yet, long past lo mezzo del camin,
there´re moments when it feels as if a pall
of fog lifted, and a sight long unseen
lay suddenly before your eyes. You say:
It´s that, again. Well, nearly that. I mean,
as near as it gets, this late in the day.
Breathe in deep. The moment´s not over yet.
And make a mental note: Not to forget.
VI
É. Era uma solução -- radical,
sim, mas definitiva -- afinal,
o que se quer é resolver de vez
o problema em questão -- cortar o mal
pela raiz (uma imagem talvez
já meio desgastada, e no entanto,
por mais que seja repetida a três
por dois (maravilhas do português!
dois números tão parcos dizer tanto --
por que não "cem" e "mil", se a idéia era
arremedar o infinito? (enquanto
isso, alguma coisa (o quê, mesmo?) espera
uma solução límpida, final,
que aliás já foi encontrada (mas qual?)
VII
A escuridão começa pelas bordas
e vai seguindo até chegar ao centro,
lá onde uma semente aguarda a hora,
tranqüilamente, sem medo do escuro:
pois é da natureza das sementes
se afastar da luz, mergulhar no úmido,
sepultar-se por toda uma estação.
No entanto, neste caso a escuridão
é de outra espécie, mais seca e mais rasa,
uma que avança devagar e sempre,
alheia a qualquer propósito ou causa,
até só restar pedra sobre pedra.
Mas a semente espera. Ela é insistente,
e acerta mesmo sem saber que erra.
Paulo Henriques Britto (2003)