Wednesday, August 20, 2008

Sete sonetos simétricos

I


Em torno de uma mesa sem toalha

a discutir a difícil questão:


por que todo argumento sempre encalha

quando se tenta explicar a certeza

que inspira o que dispensa explicação.


Constrangimento geral nesta mesa.

Alguém pigarreia. Ninguém se atreve a

dizer palavra que pareça previa-

mente pensada pra causar surpresa.


Quem sabe a coisa não tem solução.

Não será este silêncio, talvez, a

resposta final? Mas algo atrapalha


o silêncio, impede a concentração

total. Talvez a falta de toalha.



II


Tão limitado, estar aqui e agora,

dentro de si, sem poder ir embora,


dentro de um espaço mínimo que mal

se consegue explorar, esse minúsculo

império sem território, Macau


sempre à mercê do latejar de um músculo.

Ame-o ou deixe-o? Sim: porém amar

por falta de opção (a outra é o asco).

Que além das suas bordas há um mar


infenso a toda nau exploratória,

imune mesmo ao mais ousado Vasco.

Porque nenhum descobridor na história


(e algum tentou?) jamais se desprendeu

do cais úmido e ínfimo do eu.



III


As if you had the world or time to try it,

the nerves, the will -- what else? -- the peace and quiet.


No; all you have is an odd sort of urge

that gets you going with no proper aim

in mind. Maybe a vague desire to merge

with something that you couldn´t even name

if someone asked you what it was, in fact.

And yet you make a move. The rules of the game

are far from clear. No matter: you must act

because you must. Because you don´t know why

you must. Because you sense the cards are stacked

against you: yes, that´s just what makes you try.


There shouldn´t be anything facile about it.

Or else you could certainly do without it.



IV


Sentada gloriosa à mão direita

do nada, impondo a ordem a um pedaço


de um mundo que a ignora por completo,

certa de ter encontrado a perfeita

combinação de tempo com espaço


que possibilita o modo correto

de usufruir o quinhão de existência

o qual (segundo garante a ciência)

tem o direito de abocanhar,


repimpa-se, orgulhosa, em si mesma

como se numa esplêndida mansarda,

aconchegante e íntima -- um lar


tão próprio a ela quanto é própria à lesma

a concha exata. E fecha a porta. E aguarda.



V


Surprised by what? Not necessarily

by what a thing of beauty´s supposed to be

forever -- Götterfunken kind of stuff.

No way. Lightning like this strikes (if at all)

but once, and only when you´re young enough,

when you still have the spark, the wherewithal.

And yet, long past lo mezzo del camin,

there´re moments when it feels as if a pall

of fog lifted, and a sight long unseen

lay suddenly before your eyes. You say:

It´s that, again. Well, nearly that. I mean,

as near as it gets, this late in the day.

Breathe in deep. The moment´s not over yet.

And make a mental note: Not to forget.



VI


É. Era uma solução -- radical,

sim, mas definitiva -- afinal,


o que se quer é resolver de vez

o problema em questão -- cortar o mal

pela raiz (uma imagem talvez


já meio desgastada, e no entanto,

por mais que seja repetida a três

por dois (maravilhas do português!

dois números tão parcos dizer tanto --


por que não "cem" e "mil", se a idéia era

arremedar o infinito? (enquanto

isso, alguma coisa (o quê, mesmo?) espera


uma solução límpida, final,

que aliás já foi encontrada (mas qual?)



VII

A escuridão começa pelas bordas

e vai seguindo até chegar ao centro,


lá onde uma semente aguarda a hora,

tranqüilamente, sem medo do escuro:

pois é da natureza das sementes


se afastar da luz, mergulhar no úmido,

sepultar-se por toda uma estação.

No entanto, neste caso a escuridão

é de outra espécie, mais seca e mais rasa,


uma que avança devagar e sempre,

alheia a qualquer propósito ou causa,

até só restar pedra sobre pedra.


Mas a semente espera. Ela é insistente,

e acerta mesmo sem saber que erra.


Paulo Henriques Britto (2003)

0 Comments:

Post a Comment

<< Home